28 de outubro de 2010

Adoecimento na atividade policial, uma agenda de mudança cultural e institucional



Diferentemente de muitos, que já podem prejulgar ou conjecturar, sobre o ensaio que publicamos sobre a escala dos policiais militares dispensados por motivo de saúde, nossa defesa é e sempre será para o respeito e cumprimento de direitos que são inerentes à condição ou estado de saúde dos que se encontram nesta horrível situação, ou alguém em sã consciência desejaria ficar doente, somente para não ser escalado em serviços, cujos objetivos são duvidosos e de pouco efeito sobre as causas da violência e da criminalidade.

Entretanto, ressalte-se que compreendemos o esforço em prol da segurança pública, em especial quando se trata de eleições, é necessário para que os cidadãos possam exercer com tranquilidade e sem pressões ou interferências de terceiros seu direito de votar, cumprindo seu papel cívico de fortalecer e reafirmar os princípios e valores democráticos duramente conquistados pela sociedade.
Mas não podemos também fechar os olhos, vigora na corporação um preconceito cultural institucionalizado, de que os doentes, ou mais conhecidos popularmente como “baixados”, são discriminados e acabam recebendo um tratamento inadequado, em que são rotulados de inúteis e considerados mais um estorvo do que propriamente como um profissional capaz, compromissado e que exerce com competência em sua restrita área de atuação, as atividades que lhe são desincumbidas com esmero e zelo.
Preconceito que perdura e que atravessou o tempo sem que fosse intentada uma política de comando para erradicá-lo do tecido organizacional, dando mais condições para que o militar doente ou acometido de alguma doença temporária que por isto tem sua capacidade laborativa reduzida, mas que continua exercendo mesmo com limitação e responsabilidade as funções adequadas ao seu estado de saúde.
A “doença relacionada com o trabalho” ou o “acidente do trabalho” no seu sentido mais amplo poderá ter produzido ou estar produzindo “deficiência” ou “disfunção” (“impairment”), que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é “qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica”.
Muitas doenças, relacionadas ou não com o trabalho, exigem, pela sua gravidade, o imediato afastamento do trabalho, como parte do tratamento (repouso obrigatório), e/ou pela necessidade de interromper a exposição aos fatores de risco presentes nas condições e/ou ambientes de trabalho. Outras doenças, por serem menos graves, não implicam, necessariamente, no afastamento do trabalho, mas toda ação neste campo deve ser intentada no sentido de “proteger” o trabalhador, focando em sua mais breve e imediata recuperação. Há, no entanto, oficiais médicos, que são muito rigorosos ou restritivos concedendo tempo insuficiente para a melhora efetiva do paciente/trabalhador.
Toda instituição pública ou privada moderna e situada em seu tempo, adota e desenvolve um programa de reabilitação profissional - PRP -, tendo como pilar propositivo a reabilitação dos trabalhadores incapacitados para o trabalho em sua atividade habitual, visando reintegrá-lo na atividade laboral de modo a conciliar as necessidades destes as características dos postos de trabalho com as demandas institucionais, mas na Polícia Militar hodiernamente, mesmo com os avanços e adoção de ferramentas e procedimentos modernos de gestão legados pela contemporânea e moderna política de administração de recursos humanos, ainda não incorporou em sua estrutura uma política com este objetivo.
Estudos recentes de análise qualitativa, embasada em estudos observacionais exploratórios acerca do adoecimento, do afastamento e dos processos, de reabilitação, identificaram aspectos relevantes em relação à reabilitação profissional, em que os efeitos e consequências do adoecimento ultrapassa a vida profissional, pois o tempo do afastamento das atividades habituais provoca mudanças no estilo de vida, impactos físicos e psíquicos do adoecimento, problemas sociais graves; dificuldades de reinserção destes trabalhadores nos locais de trabalho em razão de suas restrições/limitações, e dificuldades relacionadas à aceitação nos grupos de trabalho, como já frisado anteriormente, pela tendência de segregação e do preconceito institucionalizado.
Estas constatações foram o alicerce para que muitas instituições a necessidade de contextualizar a questão da reabilitação repensando o processo de saúde, adoecimento e qualidade de vida no trabalhado. Nesta perspectiva este processo deve ser uma política institucional, tendo como princípios norteadores os valores do respeito a pessoa humana e responsabilidade social, orientado pela política de desenvolvimento de recursos humanos, garantindo acesso e participação ao trabalhador afastado por adoecimento.
Uma política com este alcance e dimensão, contempla um conjunto de ações médicas, psicológicas, sociais e administrativas que visam o resgate da capacidade laborativa residual do trabalhador, com problemas físicos e/ou psíquicos, para o exercício de suas funções originais ou a reintegração do mesmo em nova atividade profissional, procurando conciliar condições pessoais, potenciais, conhecimento e experiência profissional com características do trabalho e necessidades institucionais.
Trabalhar não é o problema para os policiais militares dispensados por motivo de saúde, mas o exercício de atividades que somente objetivam cercear-lhe o direito constitucional a saúde e o bem estar, bastam para reforçar o preconceito e a discriminação que como frisamos é um problema histórico, reconhecido e reconhecido na administração pública militar, que se transformou no hábito institucionalizado de estigmatizar o adoecimento como uma estratégia de uns poucos mau profissionais que abusam e subvertem um direito em uma arma para se proteger de suas infrações disciplinares ou para se favorecer em detrimento dos demais profissionais da organização policial militar.
Antes de ser uma obrigação legal é um princípio institucional a manutenção, preservação, recuperação e prevenção dos problemas de adoecimento, levando ao reconhecimento de que uma organização para ter saúde deve cuidar de suas pessoas.
Neste sentido a reabilitação profissional seria um passo estratégico importante na medida que fortalece valores institucionais e fornece constante estímulo a melhoria contínua, pois atua como como dispositivo para revisar aspectos da cultura organizacional, promovendo discussões sobre o adoecimento no trabalho, instigando a revisão de falsas crenças e análise dos processos de trabalho, além de apresentar resultados que são visivelmente demonstrados na instância financeira e de satisfação e valorização dos policiais militares.
* 2º Sgt PM (PMMG) - Bacharel em direito pela UNIFEMM - Presidente da Associação Cidadania e Dignidade
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