Diferentemente de muitos, que já podem prejulgar
ou conjecturar, sobre o ensaio que publicamos sobre a escala dos policiais militares dispensados por motivo de saúde, nossa defesa é e sempre será para o
respeito e cumprimento de direitos que são inerentes à condição ou estado de
saúde dos que se encontram nesta horrível situação, ou alguém em sã consciência
desejaria ficar doente, somente para não ser escalado em serviços, cujos
objetivos são duvidosos e de pouco efeito sobre as causas da violência e da
criminalidade.
Entretanto, ressalte-se que
compreendemos o esforço em prol da segurança pública, em especial quando se
trata de eleições, é necessário para que os cidadãos possam exercer com
tranquilidade e sem pressões ou interferências de terceiros seu direito de
votar, cumprindo seu papel cívico de fortalecer e reafirmar os princípios e
valores democráticos duramente conquistados pela sociedade.
Mas não podemos também fechar os olhos,
vigora na corporação um preconceito cultural institucionalizado, de que os
doentes, ou mais conhecidos popularmente como “baixados”, são discriminados e
acabam recebendo um tratamento inadequado, em que são rotulados de inúteis e
considerados mais um estorvo do que propriamente como um profissional capaz,
compromissado e que exerce com competência em sua restrita área de atuação, as
atividades que lhe são desincumbidas com esmero e zelo.
Preconceito que perdura e que
atravessou o tempo sem que fosse intentada uma política de comando para erradicá-lo
do tecido organizacional, dando mais condições para que o militar doente ou
acometido de alguma doença temporária que por isto tem sua capacidade
laborativa reduzida, mas que continua exercendo mesmo com limitação e
responsabilidade as funções adequadas ao seu estado de saúde.
A
“doença relacionada com o trabalho” ou o “acidente do trabalho” no seu sentido
mais amplo poderá ter produzido ou estar produzindo “deficiência” ou “disfunção”
(“impairment”), que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é “qualquer
perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica”.
Muitas doenças, relacionadas ou não com
o trabalho, exigem, pela sua gravidade, o imediato afastamento do trabalho,
como parte do tratamento (repouso obrigatório), e/ou pela necessidade de
interromper a exposição aos fatores de risco presentes nas condições e/ou
ambientes de trabalho. Outras doenças, por serem menos graves, não implicam,
necessariamente, no afastamento do trabalho, mas toda ação neste campo deve ser
intentada no sentido de “proteger” o trabalhador, focando em sua mais breve e
imediata recuperação. Há, no entanto, oficiais médicos, que são muito rigorosos
ou restritivos concedendo tempo insuficiente para a melhora efetiva do
paciente/trabalhador.
Toda instituição pública ou privada
moderna e situada em seu tempo, adota e desenvolve um programa de reabilitação
profissional - PRP -, tendo como pilar propositivo a reabilitação dos
trabalhadores incapacitados para o trabalho em sua atividade habitual, visando
reintegrá-lo na atividade laboral de modo a conciliar as necessidades destes as
características dos postos de trabalho com as demandas institucionais, mas na
Polícia Militar hodiernamente, mesmo com os avanços e adoção de ferramentas e
procedimentos modernos de gestão legados pela contemporânea e moderna política
de administração de recursos humanos, ainda não incorporou em sua estrutura uma
política com este objetivo.
Estudos recentes de análise
qualitativa, embasada em estudos observacionais exploratórios acerca do
adoecimento, do afastamento e dos processos, de reabilitação, identificaram
aspectos relevantes em relação à reabilitação profissional, em que os efeitos e
consequências do adoecimento ultrapassa a vida profissional, pois o tempo do
afastamento das atividades habituais provoca mudanças no estilo de vida,
impactos físicos e psíquicos do adoecimento, problemas sociais graves;
dificuldades de reinserção destes trabalhadores nos locais de trabalho em razão
de suas restrições/limitações, e dificuldades relacionadas à aceitação nos
grupos de trabalho, como já frisado anteriormente, pela tendência de segregação
e do preconceito institucionalizado.
Estas constatações foram o alicerce
para que muitas instituições a necessidade de contextualizar a questão da
reabilitação repensando o processo de saúde, adoecimento e qualidade de vida no
trabalhado. Nesta perspectiva este processo deve ser uma política
institucional, tendo como princípios norteadores os valores do respeito a
pessoa humana e responsabilidade social, orientado pela política de
desenvolvimento de recursos humanos, garantindo acesso e participação ao
trabalhador afastado por adoecimento.
Uma política com este alcance e
dimensão, contempla um conjunto de ações médicas, psicológicas, sociais e
administrativas que visam o resgate
da capacidade laborativa residual do trabalhador, com problemas físicos e/ou
psíquicos, para o exercício de suas funções originais ou a reintegração do
mesmo em nova atividade profissional, procurando conciliar condições pessoais,
potenciais, conhecimento e experiência profissional com características do
trabalho e necessidades institucionais.
Trabalhar não é o problema para os
policiais militares dispensados por motivo de saúde, mas o exercício de
atividades que somente objetivam cercear-lhe o direito constitucional a saúde e
o bem estar, bastam para reforçar o preconceito e a discriminação que como
frisamos é um problema histórico, reconhecido e reconhecido na administração
pública militar, que se transformou no hábito institucionalizado de
estigmatizar o adoecimento como uma estratégia de uns poucos mau profissionais
que abusam e subvertem um direito em uma arma para se proteger de suas
infrações disciplinares ou para se favorecer em detrimento dos demais
profissionais da organização policial militar.
Antes de ser uma obrigação legal é um
princípio institucional a manutenção, preservação, recuperação e prevenção dos
problemas de adoecimento, levando ao reconhecimento de que uma organização para
ter saúde deve cuidar de suas pessoas.
Neste sentido a reabilitação
profissional seria um passo estratégico importante na medida que fortalece
valores institucionais e fornece constante estímulo a melhoria contínua, pois
atua como como dispositivo para revisar aspectos da cultura organizacional,
promovendo discussões sobre o adoecimento no trabalho, instigando a revisão de
falsas crenças e análise dos processos de trabalho, além de apresentar
resultados que são visivelmente demonstrados na instância financeira e de
satisfação e valorização dos policiais militares.
* 2º Sgt PM (PMMG) - Bacharel em direito pela UNIFEMM
- Presidente da Associação Cidadania
e Dignidade
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