Um convênio entre a Prefeitura de São Paulo e a Polícia Militar permite que policiais trabalhem em seus dias de folga. Os recursos para o pagamento dos profissionais que decidem trocar o dia livre por algumas horas de trabalho serão pagos pela prefeitura, de acordo com o convênio assinado no fim do ano passado.
Segundo informou a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras por meio de uma nota, com o convênio, “a prefeitura tem o apoio e a competência da Policia Militar para agir e atuar em situações que estão fora da alçada da administração municipal. Além disso, a iniciativa proporciona ações de policiamento preventivo e, se necessário, ostensivo, para a preservação da ordem pública, aumentando a segurança, tanto para os comerciantes, como para os consumidores”.
De acordo com o coronel da Polícia Militar Orlando Taveiros, já existem mais de 800 agentes cadastrados para trabalhar em seus dias de folga. “Estamos colocando nas ruas diariamente desde 2 de dezembro do ano passado entre 180 e 200 homens a mais do que antes”, disse. A operação começou na região da rua 25 de Março, mas atualmente os policiais atuam também no largo 13 de Maio --em Santo Amaro-- e na região do Brás.
Segundo um balanço feito pela Secretaria de Segurança Pública, nos quatro primeiros meses de convênio, os roubos na área da rua 25 de Março diminuíram 64%. Já os furtos apresentaram queda de 18%. O estudo também indica que por dia são recuperados, em média, 400 sacos de mercadorias contrabandeadas. No total, desde dezembro, a PM apreendeu 47.600 CDs, DVDs e programas de computador falsificados.
Somente na região do Brás --área que abrange o largo da Concórdia e as ruas Barão de Ladário e Maria Marcolina--, nos três primeiros meses deste ano foi registrada uma queda de 43,7% no índice de roubos e de 12,5% no de furtos, em relação ao mesmo período de 2009. A Secretaria de Segurança Pública realça a eficácia da iniciativa em ruas como a Rangel Pestana, onde houve uma diminuição de 80% nos roubos e 28% nos furtos. O convênio tem validade de três anos.
Artifício
Para Fernanda Magano, secretária-geral do sindicato dos psicólogos de São Paulo, “esse convênio é um artifício usado por um Estado que remunera mal para dizer que a partir de agora está pagando melhor”. Segundo ela, que trabalha há 17 anos na Secretaria de Administração Penitenciária, “a iniciativa é uma forma de institucionalizar os já tradicionais bicos na área da segurança feitos pelos policiais como uma forma de conseguir um dinheiro extra”.
A região da 25 de Março recebe mais de 1 milhão de pessoas diariamente em épocas como o Natal. No 1º dia da ação conjunta, vários camelôs protestaram contra a ocupação da Polícia Militar
Fernanda ainda afirma que a ação é completamente contrária ao defendido por profissionais de saúde que trabalham com policiais. “Isso mostra uma precariedade na contratação de mão de obra e a opção do poder público em pagar uma bonificação aos profissionais já contratados ao invés de abrir novas vagas. O resultado disso são profissionais cansados, muitos deles com quadros de síndromes relacionadas ao excesso de trabalho”, enfatizou a psicóloga.
Entre os sintomas, Fernanda ressalta a perda de energia física e psíquica que resulta, principalmente, na falta de concentração, em uma maior probabilidade de cometer erros durante uma ação e no uso da violência, muitas vezes em excesso.
O coronel Orlando Taveiros rebate as criticas afirmando que ainda que ilegal, “é público que muitos policiais exercem atividades de segurança em porta de mercado, em postos de gasolina e até como pedreiro em suas horas livres. Além de perigosa, essas atividades são mais cansativas. Mesmo estando fora de seu horário de trabalho, os policiais têm a sua disposição todo o material necessário para sair às ruas, além de todas as garantias e direitos, caso aconteça alguma coisa”, completou.
Ainda que com algumas ressalvas, José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional da Segurança Pública no governo de Fernando Henrique Cardoso, faz um balanço positivo da iniciativa, tendo em conta principalmente a diminuição de agentes atuando em atividades informais. Entretanto, ele ressalta que o ideal seria que os agentes ganhassem suficientemente bem para aproveitar seus dias de folga descansando com a família. “Este arranjo não é o ideal, mas já é positivo. Já que muitos realizam em suas horas livres outras atividades para ganhar um dinheiro extra, é melhor que o faça com todo o apoio e proteção do Estado”, analisa.
R$ 12,35 por hora
Na opinião de Vicente Filho, o principal ponto negativo do convênio é o valor pago pela prefeitura a estes profissionais que se disponibilizam a continuar exercendo a função mesmo em seu horário livre. Atualmente, o policial militar ganha R$ 12,35 por cada hora trabalhada. “Os policiais militares de São Paulo são profissionais muito bem qualificados que deveriam ganhar nessas condições pelo menos cinco vezes a mais por cada hora trabalhada”, enfatizou o especialista.
O pouco tempo livre também é apontado pelo ex-secretário como um problema, mas ele enfatiza que a própria jornada de trabalho normal dos policiais militares está longe de ser ideal. “Hoje, o policial cumpre um esquema de 36 horas de folga para cada 12 horas trabalhadas. Pelo desgaste e estresse sofrido, essa jornada é considerada desumana. O ideal seria uma carga de 8 horas, como ocorre na maioria das policias do mundo”, disse.
Levando em conta essa jornada de trabalho, normalmente os policiais teriam direito a 15 dias de folga por mês. De acordo com o coronel Taveiros, desses 15 dias, os agentes poderiam trabalhar no máximo 12, com uma carga horária de oito horas por dia. Com isso, um policial pode chegar a trabalhar 27 dias por mês tendo apenas 3 dias de folga.
Para a psicóloga Fernanda Magano, isso é claramente insuficiente e perigoso para a saúde do profissional. Vicente Filho, que comparte a mesma opinião, acrescenta que o ideal seria que os agentes tivessem, no mínimo, seis dias livres por mês para não comprometer a eficácia de seu trabalho.
Quando questionado sobre a possibilidade do policial militar se desgastar com as horas extras de trabalho, o coronel Taveiros disse que “os profissionais responsáveis por montar o quadro de horários estão bastante atentos para não sobrecarregar o policial”.
O soldado Anésio Tolentino Jr., um dos 800 policiais militares cadastrados para trabalhar nas horas livres, afirma que mesmo sendo inferior ao recebido por um dia de trabalho normal, o que mais lhe chamou a atenção foi o salário, superior ao pago em atividades informais. “Nunca realizei atividades extra-corporação, mas conheço muitos policiais que já trocaram os bicos por horas extras como policial”, disse.
O soldado Tolentino ressalta a importância da iniciativa afirmando que o trabalho é muito mais seguro e menos desgastante que outras atividades informais. “O cadastro é voluntário, então escolhemos quando queremos trabalhar. Além disso, estamos acostumados com o serviço, não tem mistério” justifica.
Ele disse ao UOL Notícias que está utilizando o dinheiro extra para pagar a faculdade. “Acredito que essa iniciativa é vantajosa tanto para o policial que não precisa ficar na informalidade para conseguir um dinheiro extra quanto para o cidadão que fica mais protegido com o aumento do contingente”, completou o universitário do curso de letras
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