13 de dezembro de 2010

Promoção na carreira policial Militar, cultura organizacional, avaliativa e influência política

Escrito por José Luiz Barbosa (*)


“Ressalta-se que a quantidade de vagas ora divulgada não é definitiva, pois, nos termos dos artigos 17 do RPO e 7º do RPP, as condições de promoção (requisitos e impedimentos) são aferidas em 1º de dezembro. 
Estas divulgações possuem o intuito de se manter a transparência do processo, o reconhecimento e a constante valorização das pessoas, na busca de resultados satisfatórios e alinhados às estratégias institucionais.” (Cel PM Renato Vieira de Souza – Comandante Geral da PMMG) 

Ao escrevermos este artigo, objetivamos chamar a atenção de um problema crônico nas instituições militares, e como podemos inferir das palavras do Comandante Geral, instalou-se a expectativa para muitos que acreditavam que o sistema poderia ser ajustado, com o aumento dos percentuais para promoção, de oficiais e sargentos, como previsto na lei que fixa o efetivo, que consequentemente também flexibiliza os percentuais por turma conforme regras atuais. 
Para conhecer a cultura de uma organização é necessário, inicialmente, definir o que é CULTURA e o que é CULTURA ORGANIZACIONAL. Fugindo ao exaustivo rol de 171 definições inventariadas por Kluckhohn e Kroeber (In: Geertz, 2001) entende-se cultura como “a totalidade de padrões de comportamento, artes, crenças, instituições e todos os outros produtos do trabalho e do pensamento humano característicos de uma comunidade ou população, transmitidas socialmente” (American Heritage Dictionary). 
A cultura de uma organização representa, também, um recorte da cultura social vigente onde essa mesma organização está inserida. Desta forma para analisar determinada organização sob o aspecto cultural estará sempre subjacente a cultura dos indivíduos que nela operam. 
Neste sentido, culturalmente registra-se insatisfação por ocasião das promoções, mas este ano proporcionalmente temos mais insatisfação que nos anos anteriores, talvez proveniente de uma maior conscientização sobre o processo de promoção, que se reveste de uma confidencialidade injustificável, como se publicidade e transparência fossem somente retórica e características impróprias para uma ação institucional tão relevante para a instituição, como a promoção, exceto se durante a avaliação procedida vigorar, exclusivamente, o critério político em detrimento de critérios profissionais, objetivos e confiáveis. 
Há ainda vigente a cultura de cotas? Que oficiosamente são distribuídas entre o alto comando, governo e uma ou outra autoridade, com poder de influência no processo interno de promoção, pelo menos é o que se ouve a boca miúda, entre os pretendentes a promoção e até mesmo entre os promovidos, em que um percentual significativo acaba sendo beneficiado pela disfunção do sistema. 
Não bastasse toda insatisfação e inconformidade com os critérios adotados para promoção, que estão vinculados ao ano base das turmas, com percentuais fixados em patamares mínimos, o que possibilita a promoção de militares mais modernos do que outros mais antigos, um problema já diagnosticado em processos promocionais anteriores. 
Há outros entraves que precisam ser identificados para que possamos dotar a instituição de um sistema mais justo e ajustado à realidade de nossa classe, que tem na hierarquia e disciplina seus pilares de sustentação, sem o que corremos o risco de deformar ainda mais a pirâmide hierárquica. 
Contrariamente ao que fez o comando do Corpo de Bombeiros que ajustou os percentuais para atender os ditames da lei, não vimos esta vontade política na Polícia Militar, e para ilustrar tal discrepância no sistema militar, podemos exemplificar a extinção da antiguidade, para promoção ao posto de tenente coronel e a graduação de subtenente, o que subjuga os militares concorrentes e acirra um vício perverso e danoso à instituição, a bajulação que aflora com veemência entre os pretendentes a promoção, tornando as relações profissionais um palco de cinismo e dissimulação, acrescente-se a isto o fato de não mais haver duas datas anuais para promoção, o que poderia ao menos mitigar a frustração reinante. 
Para além da política de recursos humanos, verifica-se que, em relação ao processo de promoções, o discurso de valorização, com a possibilidade de regulamentação dos critérios para ascensão na carreira e a inserção no núcleo de poder, de acordo com atribuições legais de cada cargo, também são facilitadores da consolidação de um processo mais equânime e ajustado a realidade da profissão de policial militar, e não de praça ou oficial, ou de diferenciação discriminatória entre os que exercem atividade administrativa ou operacional, afinal todos são importantes para o desenvolvimento das atividades de segurança pública, não tornando uns melhores ou piores do que outros. 
Na realidade existe na Polícia Militar um hiato entre o direito e o fato, que caracteriza o formalismo, mas também o justifica na perspectiva do ato de promoção, que atualmente é mais um prêmio, do que uma recompensa pela folha de serviços prestados. Há quem atribua a Getúlio Vargas o ditado: “para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os indiferentes, a lei”. (Barbosa, 1992). 
O caminho para a mudança de rumos é o entendimento, primeiro, da diferença entre sistemas meritocráticos e ideologia da meritocracia e, segundo, dos pressupostos culturais que fundamentam todo este contexto. 
Segundo Lívia Barbosa, o serviço público dispõe de um sistema de mérito tanto para o ingresso como para a movimentação interna, não possui, isto sim, uma ideologia de meritocracia como um valor determinante. Embora, em nível do discurso, todos os envolvidos se coloquem como favoráveis ao sistema de mérito; na prática toda tentativa de implantação esbarra em um processo sistemático de desqualificação do critério a partir de uma estratégia que ora acusa os avaliadores de inaptos, ora que os escolhidos como tendo mérito, na realidade receberam uma boa avaliação ou promoção em razão de suas relações pessoais. 
Não há dúvida de que existem problemas com os avaliadores; que a influência das relações pessoais no processo avaliativo existe; no entanto não é possível obscurecer que existem aspectos culturais que condicionam o processo. A autora se refere a uma “concepção de igualdade substantiva” que não legitima as diferenças individuais de talento e desempenho como um critério para o estabelecimento de hierarquias de par com “uma concepção de desempenho que entende os diferentes resultados das produções individuais como oriundos de mecanismos sociais que exigem as suas respectivas contextualizações e explicitações”. O resultado disso é um processo que não avalia, no sentido de estabelecer diferenças e hierarquizações, mas justifica o desempenho e o perfil dos que serão galardoados pela promoção. 
Não existe avaliação unireferencial; ela é sempre plural e associada a valores éticos e políticos, nunca aleatória ou descomprometida, deverá obedecer a uma racionalidade técnica que assegure informações objetivas e confiáveis e que atendam aos requisitos de equidade e justiça contribuindo para a redução das desigualdades e da exclusão no processo de ascensão profissional, e progressivamente permita atingir níveis de consciência crítico emancipatório através de métodos dialógicos e participativos, que transformem a promoção em uma recompensa pela dedicação, empenho e o sacrifício imposto àqueles que tratam sua profissão como imprescindível ao bem-estar social e ao estabelecimento da paz na sociedade, sem o que estar-se-á promovendo e incentivando a inatividade precoce, o desestímulo, a desvalorização da profissão e a desmoralização dos que paradoxalmente alcançam a promoção por meios reprováveis. 
(*)2º Sgt PMMG, Bacharel em direito, Presidente da Associação Cidadania e Dignidade e fundador do blog "Política Cidadania e Dignidade".
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