Desde que os filósofos começaram a dedicar-se ao tema do poder político, dois aspectos intercomplementares sempre mereceram especial atenção: a distribuição das funções essenciais dos Estados entre seus agentes políticos e as limitações ao exercício destas funções. Iludidos pela expressão lingüística, não foram poucos os pensadores e parlamentos que endossaram a idéia de separação de poderes, atribuída, em especial, às obras de ARISTÓTELES, LOCKE e, sobretudo, MONTESQUIEU.
A herança da famosa expressão tatua o próprio texto constitucional brasileiro em vigor (CF/88, art. 2º), renovando o prestígio a uma tradição de retórica constitucional inventada já no Império (Constituição Imperial de 1824, art. 9º) e de resto presente nas constituições dos demais países, como regra.
Fala-se em ilusão e em retórica constitucional porque, bem vistas as coisas, não se consagra na nossa realidade constitucional a concepção separatista, salvo sob uma perspectiva estritamente orgânica. Ao oposto, o que se extrai do conjunto normativo que estabelece os parâmetros fundamentais de funcionamento da república brasileira é um intrincado esquema de - lembrando O Federalista - freios e contrapesos no tocante às funções estatais essenciais, na esteira, aliás, do que já defendia MONTESQUIEU, ao ponderar que, porque “todo homem que possui poder é levado a dele abusar [...], é preciso que pela disposição das coisas o poder limite o poder”.
Não foi por acaso, que a comissão que elaborou o ante-projeto do código de ética e disciplina dos militares de Minas Gerais - CEDM - nos idos de 1998, adotou dentre os muitos dispositivos constitucionais e do direito administrativo, o conselho de ética e disciplina dos militares, órgão que deveria ter natureza deliberativa e composição paritária entre oficiais e praças, em razão mesmo de sua composição colegiada, suprimindo a autoridade monocrática do comandante de decidir os procedimentos disciplinares, o que frequentemente contaminava a decisão disciplinar, seja absolvendo ou condenando o suposto transgressor da ordem disciplinar.
Estranhamente no entanto, e em acordo a portas fechadas, entre (*) um Deputado e o comando da Polícia Militar, o capítulo que prescrevia sobre o conselho de ética, foi estrategicamente mutilado, pois foram alteradas as disposições que dispunham sobre seu poder deliberativo, bem como da composição paritária entre oficiais e praças, como fora concebido originalmente no ante-projeto do CEDM, que sepultou um dos princípios do código, que seria fundamental para que as decisões fossem mais democráticas, plurais e contando com a experiência de seus membros para decidir com justiça, isenção e imparcialidade, tornando a disciplina um bem coletivo e respeitado.
São estas disfunções que atualmente violam direitos e impõe punições, quase sempre injustas aos policiais e bombeiros militares, exceto para muitos oficiais, que se beneficiam do controle quase absoluto da esfera disciplinar, pois a autoridade do conselho que passou com isto a ser consultiva é desconsiderada como critério de avaliação e julgamento, invertendo-se a ordem natural de que a decisão monocrática, exercida pelo comandante, deve sempre ser reexaminada por um órgão colegiado, o que poderia ser evitado se o conselho de ética e disciplina da unidade, exercesse poder decisório e de assessoramento nos procedimentos disciplinares do código, precedendo o comando, que está sujeito a juízos de valor individual, influências, ingerências e ao arbítrio para proferir decisão disciplinar.
A noção de legitimidade é um dos elementos que define, no âmbito das sociedade nacionais, as raízes da autoridade política. Explica a adesão a um sistema político aceito como fonte legítima de determinadas obrigações. Ou, posto de outro modo, é um atributo do estado que "consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência, sem recorrer ao uso da força, a não ser em "casos esporádicos". Nesse sentido, o respeito à norma e a legitimidade andam juntos.
A Segunda compõe o elemento subjetivo ou, mais precisamente, intersubjetivo que, expresso em modalidades de consenso, valoriza positivamente o conjunto normativo e, conseqüentemente, reforça o sistema legal. É claro, como veremos, que o movimento inverso pode ocorrer e determinar uma desvalorização do sistema legal. Ao sustentar "subjetivamente" um determinado regime, a legitimidade tem portanto, uma dimensão fundamental de valor.
Dentre outros dispositivos disciplinares inovadores que sofreram interferência direta do comando, com o beneplácito do relator da comissão de administração pública, à época (*) um Deputado, há outros que foram simplesmente arrancados do texto do CEDM, como o do julgamento dos praça pelo Tribunal de Justiça Militar, para perda da graduação, o que causou grande polêmica, mas que acabou também sendo suprimido do código.
Concluí daí que, há certos princípios que foram albergados no CEDM, com fundamento em normas e concepções constitucionais e administrativas, que foram pensadas para valorizar a disciplina como algo inerente ao exercício das funções e suas implicações que garantissem respeito, culto e valorização aos direitos e liberdades públicas, mas que foram deslegitimados pelas ações políticas do comando, o que obviamente acaba por concorrer com a desvalorização do sistema legal, no caso, o código de ética e disciplina, dando a sensação de certeza, de que a disciplina somente é aplicada aos praças.
São inexistentes nas instituições militares, e isto se aplica igualmente tanto a Polícia Militar como o Corpo de Bombeiro Militar, um sistema de freio e contrapesos para que haja uma aplicação mais equânime e equilibrada na avaliação e julgamento dos praças acusados do cometimento de transgressões disciplinares, o que acaba por possibilitar decisões que muitas vezes somente carregam a experiência solitária, o arbítrio e a vaidade de comandantes, que se encastelam em torres construídas sob a subversão do poder disciplinar, que se transforma na mais pura e aterrorizante opressão e tirania.
O propósito deste e outros artigos que escrevemos é chamar atenção para mudanças que são importantes, mas que precisam sobretudo de valorizar o sistema legal, e isto somente se conseguirá com legitimidade pelo debate democrático e participativo, de oficiais e praças, mas de modo concreto, e sem faz de contas, e mesmo assim como demonstramos há ações em sentido contrário, pela incompreensão e uso abusivo do poder disciplinar, que no militarismo chega ao absurdos de agasalhar e permitir que o orgulho pessoal, as vaidades, e a vingança privada, prevaleçam sobre o direito, basta dar uma breve pesquisada no Boletim Geral nº 08, de 27 de janeiro de 2011.
Deixamos de citar os casos concretos, por entendermos que de nada colaborará para a reflexão, mas para os mais interessados, é necessário uma leitura cuidadosa, para vermos como ainda vigora a cultura patrimonialista e o axioma, “manda quem pode obedece quem tem juízo.”
(*) TEXTO MODIFICADO
* Sgt PM, Bacharel em Direito, Presidente da Associação Cidadania e Dignidade e Fundador do Blog POLÍTICA, CIDADANIA E DIGNIDADE
2 comentários:
Qualquer regulamento é nocivo à liberade, direito natural dos humanos. O verdadeiro militar não precisa de regulamento. Só os amadores são punidos. Tem muita gente sem talento na PM e no BM. Para esses só RDPM para dar geito.
A hierarquia e a disciplina devem existir sim em qualquer local empresa, seja publica ou privada, contudo a maneira que os comandantes da PMMG, avocão as decisões proferidas pelos CDMU,quando não concordam com o parecer de arquivamento, lembra em muito a gestapo de Hliter. Vejamos a missão da gestapo: faço aqui uma analogia com o processo administrativo "A gestapo
incumbia-se de eliminar, com eficiência e crueldade, qual-
quer espécie de oposição ao regime.Mesmo fora da Ale -
manha , a gestapo vigiava os inimigos do nazismo. assim são os comandantes da policia militar, não são todos os comandante, mas agem no processo administativo da mesma forma que a gestapo de Hliter
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