Situação curiosa passada por uma sargento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN), que foi demitida por supostamente ter emitido cheques sem fundo, acima do valor que percebia em seu salário. Para o Comando da corporação, a policial feriu a ética PM quando assim agiu, mesmo se tratando de um empréstimo pessoal, pois contraiu “dívida superior às suas possibilidades”.
Em uma sociedade capitalista, onde as tentações publicitárias são recorrentes, sem falar das necessidades pessoais que cada indivíduo pode ter (casos de doença por exemplo), creio que já seja suficiente as medidas comuns à sociedade civil – negativação em cadastro de devedores etc. Ou talvez uma punição menos extrema. Mesmo porque, as polícias brasileiras perderiam boa parte do efetivo se medidas do tipo se tornassem costumeiras – o que não falta é policial endividado por aí.
A sorte é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a demissão, por ter encontrado irregularidades na medida:
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o ato de exclusão de sargenta dos quadros da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (RN) devido ao não pagamento de empréstimo pessoal. Os ministros observaram que a punição administrativa baseou-se na emissão de cheques sem fundos. Mas em ação judicial, foi constatada a prescrição dos cheques e decretada a inexistência da dívida.
A militar contraiu empréstimo pessoal em novembro de 2005, no valor de R$ 15 mil. Como garantia, emitiu seis cheques no valor de R$ 2,5 mil, sem provisão de fundos. Foi instaurado o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a responsabilidade da sargenta.
O relatório do conselho de disciplina registrou que a sargenta não cometeu crime, pois os cheques não foram descontados na instituição bancária dentro de sua validade. O credor perdeu o prazo de 30 dias para apresentar os cheques e não os descontou nos seis meses após o prazo para apresentação, ocorrendo assim a prescrição.
Comportamento inapropriado
No entanto, o comandante-geral da PM, argumentando que a militar teria desonrado a ética policial militar, aplicou a pena mais grave, acusando-a de ter contraído dívida superior às suas possibilidades, já que o vencimento bruto de segundo sargento da PM gira em torno de R$ 1,7 mil, valor bem inferior ao dos cheques que emitiu.
O pedido de liminar em mandado de segurança foi indeferido e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). O tribunal estadual negou a segurança e o estado do Rio Grande do Norte defendeu a manutenção da expulsão da militar dos quadros da corporação, porque “não se pode classificar a falta cometida pela recorrente como algo diferente de grave, com reflexo no comportamento ético que é exigido do policial militar”.
Fato novo
Foi ajuizada medida cautelar no STJ com pedido de liminar para suspender os efeitos da decisão administrativa. O pedido foi deferido monocraticamente pelo ministro Hamilton Carvalhido, no exercício da presidência do Tribunal. A militar então trouxe um fato novo: a Primeira Turma do TJRN declarou a nulidade do negócio jurídico que havia fundamentado sua exoneração.
No acórdão, o relator proveu o recurso ao julgar improcedente o pedido de cobrança dos cheques, desconstituindo o negócio jurídico, além de determinar a devolução dos seis cheques à militar.
No STJ, a militar sustentou que sua exoneração é abusiva e ilegal, pois foi praticada sem justa causa, como resultado de perseguição pessoal. Afirmou ainda que não foi levado em consideração, na fixação da pena, o bom comportamento que apresentou durante os 17 anos em que prestou serviços à corporação, com lealdade e sem rebaixamento funcional.
Incoerência
Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, o relatório emitido pelo conselho disciplinar registra que a militar não cometeu crime, pois os cheques não foram apresentados no prazo devido. Portanto, segundo o ministro, há evidente falta de coerência entre as proposições estabelecidas no relatório do conselho e na decisão que excluiu a militar da corporação.
O ministro lembrou que a exclusão da sargenta se deu devido à emissão de cheques sem fundos. O acórdão que proveu o recurso da militar decretou a inexistência de comprovação da alegada dívida. Considerando que não há comprovação de conduta reprovável cometida pela militar, não é possível admitir a manutenção da condenação imposta pelo comandante-geral da PM.
FONTE: ABORDAGEM POLICIAL
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