29 de março de 2010

Saúde da Tropa: Desgaste, insatisfação e "greve branca" na Polícia Militar (CEARÁ)

Embora a Secretaria da Segurança não confirme, policiais falam em "greve branca". Licenças e atestados seriam usados para se conseguir o afastamento. A saúde dos PMs estaria comprometida
O discurso é de quem está prestes a explodir. "Ninguém aguenta mais", desabafa o policial militar. Depois de 12 anos trabalhando como PM, a jornada de 48 horas semanais pesa. Ele é soldado do programa Ronda do Quarteirão, no chamado turno C, que vai das 22 às 6 horas. A folga é somente aos sábados. ``É desgastante. Pedi férias e não queriam conceder. Só me deram porque pressionei. Disse que iria tirar uma LTS (Licença para Tratamento de Saúde)``, diz.
O policial comenta que, muitas vezes, a categoria recorre a recursos como esse para conseguir descansar e se tratar. Além das licenças, pedem atestados médicos ou doam sangue no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), ato que dá direito a uma folga de 24 horas. Ele mesmo já pediu uma licença médica. ``Na época, estava com problemas financeiros e conjugais. Emagreci, fiquei debilitado, no limite.``
Na última sexta-feira, 26, O POVO mostrou que, somente este ano, a Coordenadoria de Perícia Médica do Governo do Estado concedeu 1.146 licenças médicas a policiais militares no Ceará, uma média de 15 por dia. Como o efetivo é reduzido, o afastamento temporário desses policiais acaba dificultando o fechamento das escalas de PMs que trabalham nas ruas.
O PM ouvido pela reportagem confirma que há policiais fazendo "greve branca". Mas ele lembra que não se trata de "fazer corpo mole". "As pessoas que fazem isso ficam marcadas na Companhia (de policiamento) como profissionais que não querem trabalhar. Mas não é isso", explica. Segundo ele, é a insatisfação da categoria que leva os policiais a tomarem essas medidas.
Além do salário considerado baixo e da escala de trabalho (seis por um), há outras questões que desmotivam a categoria. "É a falta de estrutura, de assistência. Praticamente não se tem curso de reciclagem. Eu mesmo só dei 11 tiros em treinos e já estou há 12 anos na PM. O policial vai para a rua despreparado", reclama.
Psicológico
O estresse acaba causando desgaste físico e psicológico. "A profissão de policial militar por si só já é muito estressante, independente do salário, da escala de trabalho. Eles lidam com o risco de morte. Isso gera ansiedade, preocupação", lembra a psicóloga Danielle Sales, da coordenadoria do Centro Biopsicossocial (CBPS) da PM no Ceará. Ela lembra que é recorrente o atendimento a policiais com depressão, síndrome do pânico, entre outros transtornos.
"A ansiedade acaba gerando problemas em casa. Tem colegas que até se separaram da mulher", comenta o policial, que é casado e pai de dois filhos. Ele mora na periferia de Fortaleza e sustenta sozinho a família. "A única alternativa é morar na favela, perto do traficante. O que nos obriga, muitas vezes, a ser omisso. A baixar a cabeça para muita coisa que vemos."
E-Mais
O despreparo dos policiais foi reconhecido pelo próprio secretário da Segurança em matéria publicada no O POVO em outubro do ano passado. "Tem policiais que não sabem manusear uma arma", disse.
O Governo pretende resolver o problema do despreparo dos policiais com a nova Academia de Segurança, que está sendo construída e contará com dois estandes de tiro e cidade cenográfica. A previsão é que fique pronta ainda este ano.
O Centro Biopsicossocial da PM foi inaugurado em novembro de 2009. Há uma psicóloga para atender toda a demanda. A promessa é que o número de profissionais será ampliado.
O salário-base do PM no Ceará é de cerca de R$ 1.300. O efetivo é de 15 mil homens na ativa.
Em maio de 2008, o governador Cid Gomes encaminhou para a Assembleia Legislativa uma lei estadual garantindo que enviaria um projeto de lei, no prazo de 180 dias, dispondo sobre o Regime de Trabalho Semanal dos militares da PM e do Corpo de Bombeiros.
O prazo foi descumprido e o deputado estadual Heitor Férrer (PDT) entrou com uma representação no MP.
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