O artigo seguinte é muito importante, pois assistimos cotidianamente militares de todo o interior do Estado se deslocarem para Belo horizonte, com custos de diárias e transportes, para responderem a processos perante a Justiça Militar, muitas vezes desprovidos de justa causa e por questões irrelevantes, ou simplesmente, para aceitar uma transação penal.
Avolumam-se as ações anulatórias na justiça militar fundadas na prescrição do direito de punir, que a jurisprudência castrense firmou em dois anos, mas a PM, por pirraça, continua a defender que pode punir o militar até o prazo de 05 anos da prática da transgressão disciplinar.
Sindicâncias, Processos Administrativos de natureza demissionária fundados em acusação de prática de faltas contra o decoro da classe proliferam, apenas para intimidar ou dar “satisfações” a imprensa. Comissões de Processo Administrativos e Conselhos de Ética e Disciplina Militares, são constituídos para apuração e pareceres em processos, contudo, posteriormente estes pareceres não valem nada, vez que a autoridade convocante é quem decide. Mero teatro, pois a decisão é, na maioria das vezes política, e, não técnica.
Ocorre que estes procedimentos acarretam elevados custos para o tesouro, sofrimento para os processados, desgastes para os militares designados para CEDMU e CPAD, bem como aos encarregados das sindicâncias perfunctórias. (Domingos Sávio de Mendonça - Assessor Jurídico da Ascobom - OAB/MG 111515)
A Pena é o processo
Por Joaquim Falcão
A qualquer hora, pode um oficial de justiça lhe trazer notificação judicial. Ou por correio lhe chegar intimação administrativa. Um processo lhe foi ou será instaurado.
Um em quatro brasileiros tem processos na justiça. É normal na democracia. É direito constitucional todos se defenderem e peticionarem. É dever do Ministério Público e de Procuradores fiscalizar contribuintes, empresas, concessionárias e governos.
Mas não é normal o abuso de direito, o processo administrativo ou judicial com estratégia de intimidação política, fiscal ou mercadológica. A linha é tênue entre intimidar e intimar.
O processo impõe custos instantâneos ao pretendido réu. Custos muitas vezes maiores do que a incerta condenação legal. Não são impostos pelo juiz nem pela lei. São custos colaterais. Verdadeiras penas sem julgamento.
Primeiro são os custos financeiros de defesa – advogado, perito, custas judiciais – com que o réu, culpado ou não, arca por cerca de 5 anos, tempo médio do processo.
Audiências, embargos, recursos, agravos, via-crucis ineficiente e deslegitimadora da administração pública e judicial.
Acresça custos de oportunidade. O tempo que empresa, cidadão ou agente público terá que dedicar à sua defesa. O que de produtivo deixará de fazer. Há os custos psicológicos. A tensão durante anos. A sentença saiu, quando, como?
Se o reu é empresa privada ou cidadão, a situação é tão pior quanto. Hoje, patrimônio indispensável, mensurável monetariamente, é a marca, credibilidade e concorrentes. A estratégia intimidatória combina abertura do processo com sua divulgação.
Produz rumor revestido de legalidade, diria Cass Sustein. E pode gerar danos. Ao colocar o contribuinte no Serasa, sem decisão judicial, o fisco diz: “não discuta, pague. O dano à sua imagem será provavelmente maior que a sua vitória ao final do procedimento.
Na democracia, porém, o direito de defesa não deve sofrer constrangimentos. Mas jamais terá sido totalmente imune. A pena é o processo com seus efeitos colaterais.
O processo intimidatório impõe também custo orçamentário ao Tesouro. Acionar a máquina da Justiça é acionar o taxímetro da despesa pública. Cada intimação temerária é desperdício potencial.
Não se trata de restringir o direito de peticionar ou o dever de fiscalizar e cobrar. Mas, numa sociedade cada vez mais de resultado e menos de valores, fazer a análise de custo e benefício financeiro, político, psicológico do processo é inevitável.
É hora de a sociedade discutir uma ética do processo. Novas jurisprudências e legislação poderiam evitar estratégias intimidatórias. Responsabilizar quem indevidamente impõe custos colaterais a cidadãos e desperdício ao tesouro.
A crescente processualização administrativa ou judicial da vida cotidiana não é expansão da legalidade. É inchaço. Não é saúde. Pode ser doença. Há que se tratar.
Publicado na Folha de São Paulo em 08/06/2010 - Por Joaquim Falcão (Doutor em Educação pela Université de Génève. Master of Laws (LL.M) pela Harvard University. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) - Diretor da FGV DIREITO RIO.
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