POLICIA CIVIL, O PRIMO POBRE DA SEGURANÇA PÚBLICA EM MINAS GERAIS.

A Polícia Civil de Minas Gerais tem sido ao longo dos anos abandonada e desprestigiada pelos governos. Uma Instituição sucateada e aviltada em termos salariais.

Ingressei na Polícia Militar em 1998, época que o então Detetive de Polícia, hoje investigador, ganhava um salário inicial idêntico ao de um 3º Sargento da Polícia Militar. Atualmente, o Investigador, recebe o salário idêntico ao do cargo de ingresso nas Instituições Militares.  Ao longo dos anos, a única coisa que aconteceu com os detetives foi a mudança de nomenclatura. Detetives, depois Agentes de Polícia e atualmente Investigadores, como se a simples mudança de nome trouxesse algum beneficio ou prestigio a classe.

As viaturas da Polícia Civil são sucateadas, dependendo quase que exclusivamente dos favores dos “amigos” da Instituição, algumas delas com mais de dez anos de uso. Dá pra imaginar uma viatura de polícia com mais de um milhão de quilômetros de rodagem? Vivemos na hipocrisia apreendendo veículos de cidadãos que estão em melhores condições que as viaturas da Policiai Civil. Em algumas divisões especializadas ainda existem Fiat Uno rodando.

Na maioria das delegacias, principalmente do interior, não temos sequer 01 (um), isso mesmo 01 escrivão de polícia. Vivemos a vergonha de usar os funcionários da prefeitura como escrivão ad hoc. Mesmo imbuídos de espírito de contribuição, a maioria deles não tem sequer o primeiro grau completo de escolaridade, demonstrando como essa corporação vem sendo abandonada a mercê da sorte.

Os Inquéritos se amontoam nas mesas dos cartórios, lugares abafados, estreitos, insalubres, impróprios para um trabalho decente. Em algumas delegacias, os computadores e a internet são de uso próprio dos policiais. Delegacias com mais de mil inquéritos em cima da mesa, e a cada dia uma dezena deles chegam. Ai fica a nossa dúvida quanto a qualidade da investigação e do relatório de cada um deles. Já que a ideia é produção, produção, produção. Mais importa relatar os inquéritos do que alcançar a autoria de cada um deles, afinal uma investigação de qualidade demanda tempo e efetivo, tudo aquilo que infelizmente a Polícia Civil não tem. Por mais que os sindicatos lutem, a situação é vergonhosa, senão caótica.

Outro dia fui pessoalmente visitar a Divisão Especializada de Investigação Antidrogas e fiquei abismado com o que vi lá. Paredes dos cartórios mofadas, goteiras em cima das mesas dos policiais. E olhem que não estou falando de uma delegacia de uma cidadezinha pequena do interior do Piauí, mas de uma delegacia especializada em plena capital do 3º Estado mais importante do país. Pra vocês terem ideia do desprestigio e abandono da Polícia Civil, os extintores de incêndio da Delegacia Antidrogas, estão vencidos, pasmem, a mais de 10 (dez) anos.

Os escrivães trabalham tanto, que já chamados de “escravões”, pois são heróis aqueles que ainda não estão com LER – Lesão por Esforços Repetitivos. Os policiais civis estão adoecendo aos montes de tamanha carga de atividades. Um policial tem que trabalhar por dois, três e até quatro.

A situação dos investigadores é uma vergonha. Acompanhem o fim de um plantão e vejam que na maioria das vezes apenas dois investigadores fazem a escolta de presos para o CERESP, e na maioria das vezes vão de “cofre cheio”, ou seja, apenas dois policiais conduzindo meia dúzia de presos, colocando em risco a vida dos servidores por falta de responsabilidade dos governantes, invertendo a lógica da supremacia de forças. Peçam a Deus para os bandidos não descobrirem isso, pois se isso acontecer, os resgates de presos serão constantes.

 A situação é tão vexatória, que o Hospital da Polícia Civil, e me perdoem, não é um hospital, é um porão improvisado e assombrado, sem médicos e sem servidores, em uma clara demonstração que a saúde do servidor policial civil não é prioridade.

Já os delegados, a situação é uma vergonha maior ainda. No último concurso em que 420 foram nomeados a menos de 1 ano, quase uma centena deles já pediu exoneração. Todo dia uma nova exoneração é publicada no Diário Oficial. E sabe o pior? Os Delegados estão fazendo concurso em outras áreas concorrendo a cargos em nível médio, em que os salários são maiores do que os das “Autoridades Policiais”.

Os novos delegados ao serem nomeados para uma determinada cidade, em geral assumem a delegacia com centenas de inquéritos, um ou dois investigadores,  um escrivão ad hoc, uma viatura velha e um prédio caindo aos pedaços, quase desabando. E ainda tem que sair de pires nas mãos pedindo esmolas aos comerciantes e políticos para comprar toner, papel A4, e conserto de viaturas. Até papel higiênico nas delegacias é “derrubado”.

O salário dos Delegados de Minas é pior do que Estados como Maranhão e Piauí. Da pra imaginar um Delegado de Minas pedindo exoneração para concorrer a um cargo semelhante no Estado paupérrimo do Maranhão? Dá sim, pois é o que vem acontecendo.

A maioria dos delegados está estudando para sair da Polícia Civil, para prestar um novo concurso. Até quando os delegados vão ficar acreditando em Papai Noel? Outro dia conversei com um Delegado que me disse: vai melhorar, vai sim. O salário dos delegados está crescendo como rabo de cavalo, pra baixo.

Lamentavelmente alguns deles ficam se satisfazendo com migalhas, depreciando a sua própria condição de Autoridade Policial. Ficam se satisfazendo com esmolas, com um carro descaracterizado a sua disposição como se particular fosse, e um telefone celular corporativo. Enquanto os senhores se acomodaram com essa esmola vão continuar a ganhar um salário miserável.  E o Governo sabedor disso, a cada dia vai aumentando o número de veículos e telefones a disposição, em detrimento de um salário digno.

O Plantão Regionalizado é um atestado de falência e abandono da Polícia Civil. É como se dissessem, estamos acabando, vamos nos juntar em grupos para atender a demanda. O que era de responsabilidade de dois ou três delegados passará a ser de apenas um.

Eu passei uma noite acompanhando uma ocorrência no CEFLAN na Rua Pouso Alegre e fiquei abismado com o que presenciei. Os Policiais Militares esperam horas para liberar de uma ocorrência, enquanto os policiais civis não tem tempo de parar para as refeições, dado o volume de ocorrências que chegam a cada minuto e o número reduzidos de policiais em serviço.

Tem Delegado pedindo exoneração para fazer concurso para ser Policial Rodoviário Federal, cargo de nível médio. O salário de um Delegado do Pará é quase o dobro do salário do Delegado de Minas. Atualmente o salário de Minas é o pior do país. Dá pra acreditar?

E não adianta fazer greve. Pois o governo inteligentemente dividiu os delegados em duas classes: os novatos que querem mudanças e valorização e são chamados de rebeldes, e os antigos que tem medo de perder suas regalias e sair da sua zona de conforto, que por sua vez são chamados de conservadores.

Ou a Policia Civil reage ou vai acabar, é ano da Copa do Mundo, ano em que o mundo olhará para o Brasil e para Minas. Ou acordam, ou o último que sair apague a luz. Estão acabando com a Polícia Civil e vocês não estão vendo.

Observação: Ah e antes que alguns digam que é a opinião de um PM, digo que é sim. De um PM casado com uma Delegada da Polícia Civil, que já foi Escrivã de Polícia Civil, que quase ficou aleijada por LER.

Cabo Julio

Julio Cesar Gomes dos Santos, Deputado Estadual, Membro da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi Vereador em Belo Horizonte, Deputado Federal por dois mandatos (1999-2007), é Advogado Pós Graduado em Ciências Penais pela Faculdade Milton Campos e Mestrando em Direito Público pela Universidade FUMEC em Belo Horizonte, Vice-Presidente da Associação dos Servidores da Polícia Militar e do Corpo e Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais.