24 de julho de 2014

DESERTOR É REINTEGRADO ÀS FILEIRAS DA PMMG

APELAÇÃO

Processo n. 0004690-31.2012.9.13.0002
Relator: Juiz Cel PM James Ferreira Santos
Revisor: Juiz Fernando Armando Ribeiro
Apelante: José Adilson Alves
Advogado(a/s): Moisés Elias Pereira (OAB/MG 067363) e outro(a/s)
Apelado: Estado de Minas Gerais
Procurador do Estado: Leonardo Canabrava Turra (OAB/MG 57887)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – INOCORRÊNCIA – PRELIMINARES –PRESCRIÇÃO –– OBSERVÂNCIA DAS SÚMULAS NS. 1 E 3 DESTA E. CORTE – COMPETÊNCIA DO COMADANTE-GERAL DA PMMG PARA DEMITIR MILITAR – POSSIBILIDADE – OBSERVÂNCIA DO ART. 125, § 4º, DA CR/88 E DA SÚMULA N. 673 DO STF.
MÉRITO – DESERÇÃO DE MILITAR – FALTA DISCIPLINAR CONTRA A HONRA PESSOAL E O DECORO DA CLASSE – LEI COMPLEMENTAR N. 95/07 – IRRETROATIVIDADE – DEMISSÃO DO MILITAR – ANULAÇÃO – RECURSO PROVIDO – SENTENÇA REFORMADA (Juiz Cel PM James Ferreira Santos, relator).

V.V. – EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – EXCLUSÃO DAS FILEIRAS DA PMMG – MILITAR DESERTOR – APRESENTAÇÃO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR N. 95 – ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – IMPOSSIBILIDADE – CRIME PERMANENTE – SÚMULA N. 711 DO STF – ATIPICIDADE DA CONDUTA – PREVISÃO EXPRESSA EM LEI – INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 14.310/02 – COMPETÊNCIA DO COMANDANTE-GERAL DA PMMG PARA EXCLUIR PRAÇA DAS FILEIRAS DA CORPORAÇÃO – SÚMULA 673 DO STF – AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO PRÉVIO À INSTAURAÇÃO DO PAD – INOCORRÊNCIA – VÍCIO NA PORTARIA DE INSTAURAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – INOCORRÊNCIA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO CONFIGURADA – AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DOS ANTECEDENTES DO MILITAR E DA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO – INOCORRÊNCIA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PRIMEVA E DO ATO DISCIPLINAR SANCIONADOR.

- Entre a data da apresentação do apelante, 28/09/2009, e a data da efetivação da demissão, em 24/02/2012, após a solução do processo administrativo pelo Governador do Estado de Minas Gerais, não transcorreu o lapso temporal de 4 (quatro) anos, motivo pelo qual não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva da Administração. Entendimento jurisprudencial sumulado desta e. Corte estampado nos enunciados de suas Súmulas ns. 1 e 3.

- O crime de deserção, previsto no art. 187 do CPM, é um crime permanente, cuja consumação é exaurida apenas com a cessação da situação de deserção, o que ocorre com a captura ou a apresentação voluntária do criminoso.
- A configuração da deserção antes do advento da Lei Complementar n. 95/2007, com a apresentação ou captura do militar desertor após a vigência da referida norma, que acrescentou os artigos 240-A e 240-B ao Estatuto do Pessoal da Polícia Militar, não veda a instauração de PAD, fundamentado na prática de crime de deserção.
- O fato da configuração da deserção somente se dar a partir de um marco temporário pré-estabelecido em lei não significa que ela se esgote naquele momento, uma vez que sua consumação, inclusive na esfera administrativa, perdura no tempo, enquanto o militar permanecer na condição de desertor, sendo, desse modo, aplicável a regra insculpida no enunciado da Súmula n. 711 do Supremo Tribunal Federal.
- O artigo 240-A da Lei n. 5.301/69, acrescido pela LC n. 95/2007, expressamente dispõe que o desertor comete ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe.
- O artigo 125, § 4º, da Constituição, não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo, nos termos da Súmula n. 673 do STF.
- A ausência de notificação do militar acerca da decisão do Comandante da 8ª RPM – que propôs a aplicação da pena de demissão e remeteu os autos para o Comandante-Geral da PMMG – não caracteriza o cerceamento de defesa, pois, após o parecer da autoridade convocante, os autos são automaticamente remetidos ao Comandante-Geral, que analisa e decide sobre a permanência ou não do militar na Corporação – inteligência do art. 74 do CEDM.
- O ato administrativo disciplinar que ensejou a exclusão do apelante das fileiras da Instituição Militar foi devidamente motivado pelo Comandante-Geral da PMMG.
- Manutenção da sentença primeva (Juiz Fernando Armando Ribeiro, revisor vencido).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, sendo apelante José Adilson Alves e apelado o Estado de Minas Gerais, acordam os juízes da Segunda Câmara, por unanimidade, nos termos do voto do juiz relator, em passar pelas preliminares arguidas pela defesa e, no mérito, por maioria, em dar provimento ao recurso de apelação, para, em obediência ao princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, declarar nulo o Processo Administrativo Disciplinar, de Portaria n. 10430/2009-8ª RPM, bem como o ato de demissão do apelante das fileiras da PMMG, reformando, assim, a r. sentença primeva. Determinou, ainda, a reintegração do apelante às fileiras da Polícia Militar de Minas Gerais, fazendo jus a todos os vencimentos e demais vantagens que deixou de receber, devidamente corrigidos, desde a data da sua exclusão. Condenaram o Estado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 20, § 3º, “a”, “b” e “c” c/c o § 4º, do CPC.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por José Adilson Alves, em face da sentença de 1º grau de jurisdição que julgou improcedente os pedidos do autor, na ação anulatória c/c pedido de reintegração de cargo e antecipação de tutela, movida em face do Estado.

Em sua inicial, o autor afirmou que ingressou na Corporação Militar em 01/09/1983, tendo trabalhado sempre com muita dedicação, competência e responsabilidade, como demonstra o seu conceito (A+50), constante no seu Extrato de Registro Funcional. Disse que, em 04/05/2004, estava escalado para prestar serviços militares no horário de 12h, porém não compareceu (fls. 05/15 do PAD), ficando registrado que faltou daquela data até 13/05/2004. Por isso, foi elaborado termo de deserção em 17/05/2004 (fl. 22 do PAD). Contudo, disse que se apresentou espontaneamente em 28/09/2009, tendo sido lavrado termo de apresentação (fl. 25 do PAD) e confeccionado o seu ato de reversão, em 30/09/2009 (fl. 27 do PAD). Disse, ainda, que se apresentou depois de completados 45 (quarenta e cinco) anos, quando já não podia ser punido, tendo em vista a consumação da prescrição do crime de deserção.

Na época dos fatos, foi enquadrado nos arts. 13, III, e 64, II, ambos da Lei Estadual n. 14.310/2002 (CEDM), por ter desertado da Corporação, figura que se amolda ao art. 187 do CPM e ao art. 240-A da Lei n. 5.301/69, alterada pela LC n. 95/2007, sendo submetido ao Processo Administrativo Disciplinar (PAD) de Portaria n. 10.430/2009-8ºBPM. Ao final do PAD, afirmou que o Comandante da 8ª RPM julgou totalmente procedente a acusação que pesava contra si, concordando com os pareceres da CPAD e do CEDMU, opinando pela sua demissão (fls. 425/430 do PAD). No mesmo sentido foi a decisão do Comandante-Geral da PMMG, que o demitiu da Corporação (fls. 432/443). Dessa decisão, aviou recurso ao Exmo. Governador do Estado de Minas Gerais, que lhe negou provimento (fls. 762/769 do PAD). Afirmou, ainda, que foi informado da sua demissão em 24/02/2012 e que esta se baseou em ato administrativo disciplinar irregular e ilegal.

Apontou várias irregularidades ocorridas no PAD.

Preliminarmente, alegou que não poderia ter sido demitido das fileiras da PMMG, tendo em vista a consumação da prescrição da pretensão punitiva da Administração Militar, a teor do art. 90, III, do CEDM, porque da data da sua apresentação, em 28/09/2009, até a data da sua efetiva demissão, a partir de 24/02/2012, transcorreram mais de 02 (dois) anos. Ressaltou que, ao ser efetivado o seu ato de reversão em 30/09/2009 (fl. 27 do PAD), a Corporação teria não mais do que 02 (dois) anos para instaurar e solucionar o PAD, o que não ocorreu.

Aduziu que não pode ser aplicado, in casu, o contido nos artigos 240-A e 240-B da Lei n. 5.301/69, a esta acrescido pelo art. 10 da LC n. 95/2007, que entrou em vigor em 18/04/2007, tendo em vista os princípios da anterioridade da lei e da legalidade. Explicitou que os mencionados artigos entraram em vigor após o ocorrido e são mais prejudiciais ao autor, não podendo retroagir à data dos fatos. Salientou o contido no art. 240-C, acrescentado à Lei n. 5.301/69 pelo art. 14 da LC n. 109/2009, que dispõe que a deserção se consuma no nono dia, não podendo ter caráter de transgressão permanente.

Ainda em sede de preliminar, apontou a incompetência do Comandante-Geral da PMMG para demitir militar, quando esteja caracterizado um possível ilícito penal ou disciplinar, tendo em vista o disposto no art. 125, § 4º, c/c o art. 142, § 3º, VI e o art. 42, § 1º, tudo da CR/88. Disse que a perda da graduação das praças, tendo em vista a CR/88, está subordinada à decisão do Tribunal competente. Por tudo isso, afirmou que a sua demissão foi ilegal, baseando-se em preceitos constitucionais federais e estaduais sobre o tema.
No mérito, alegou a ocorrência de cerceamento de defesa, porque, quando da homologação da solução do PAD, o Comandante da 8ª RPM decidiu pela sua demissão, mas sem lhe oportunizar vista dos autos, encaminhando o processo diretamente ao Comandante-Geral. Diante do ocorrido, disse que ficou impossibilitado de interpor recurso contra o ato exarado pelo Comandante Regional.

Disse que, pela prática da deserção, foi enquadrado no art. 13, III, c/c o art. 64, II, ambos do CEDM, tendo sido punido com a pena máxima de deserção. Contudo, tais normas são tipos abertos, sem determinação específica, deixando margem à prática de arbitrariedades pela administração.

Ressaltou que possuía uma excelente ficha funcional na Corporação, que deveria ter sido levada em conta quando da sua punição, o que não ocorreu, em afronta aos artigos 16 e 20 do CEDM e em violação ao devido processo legal e ao princípio da legalidade. Salientou que sempre foi um excelente militar, o que foi destacado pelas várias testemunhas inquiridas e ouvidas no PAD, tanto da acusação quanto da defesa. Por tudo isso, aduziu que a sua pena deveria ter sido atenuada. Aduziu, ainda, que foi demitido de forma desproporcional, pois as provas a ele favoráveis não foram levadas em conta no seu julgamento, em afronta ao princípio da razoabilidade. Salientou que o ato que efetivou a sua demissão não foi motivado, contrariando o art. 42 do CEDM.

Pugnou pela concessão da tutela antecipada, com fulcro no art. 273 do CPC, para que possa ser reintegrado às fileiras da Corporação imediatamente. Não sendo assim entendido, requereu que lhe fosse deferida medida cautelar, em caráter incidental, tendo em vista o princípio da instrumentalidade do processo e a Lei n. 10.444/2002.

Pediu que fossem acatadas as preliminares de prescrição e de incompetência absoluta. Ultrapassadas as preliminares, requereu a procedência dos seus pedidos, para que fosse anulado o ato administrativo de demissão, reintegrando-se-o a partir de 24/02/2012 (data em que foi demitido), com todos os direitos e vantagens inerentes à graduação e ao tempo de serviço, condenando-se o Estado a pagar todos os vencimentos que deixou de receber, vencidos até a efetiva reintegração, e demais vantagens do cargo, com a incidência dos juros de mora, correção monetária, custas e despesas judiciais, inclusive honorários advocatícios. Pugnou pela concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e pela citação do Estado. Deu à causa o valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais) (fls. 02/31). Juntou os documentos de fls. 32/814.

O douto Magistrado de 1º grau indeferiu o pedido de tutela, mas concedeu ao autor os benefícios da justiça gratuita (fls. 817/820). Intimado a adequar o valor da causa ao benefício econômico pleiteado, o autor estipulou-a em R$50.204,00 (cinquenta mil e duzentos e quatro reais) (fl. 822).

Em sede de contestação, o Estado afirmou que não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva da Administração Militar, a teor da Lei n. 869/52 e das Súmulas ns. 1, 2 e 3 desta e. Corte, que estabelecem ser de 5 (cinco) anos o prazo de prescrição para os demais casos de exclusão, que não seja o de abandono do cargo. Afirmou, ainda, que a autoridade que aplicou ao autor a sanção de demissão era a competente para tanto e que a perda da graduação da praça, nos termos do art. 125, §§ 4º e 5º, da CR/88, aplica-se tão somente aos casos em que a exclusão se configure como pena acessória de infração penal apurada e decidida pelo TJMMG.

Disse que a acusação constante na portaria do PAD restou totalmente comprovada, não sendo constatada nenhuma das causas de justificação dispostas no art. 19 do CEDM, ficando evidenciado que a conduta do acusado afetou a honra pessoal e o decoro da classe. Por isso, foi incurso no art. 64, II, do CEDM. Disse, ainda, que o autor teve asseguradas suas garantias constitucionais ao devido processo legal, com seus consectários do contraditório e da ampla defesa, mas, mesmo assim, não conseguiu elidir a acusação que pesava em seu desfavor.

Alegou que o delito previsto no art. 187 do CPM (deserção) é um crime permanente, cuja consumação só se exaure com a cessação da situação de deserção, que ocorre com a captura ou a apresentação voluntária do criminoso. Nesses termos, tendo o autor se apresentado voluntariamente em 28/09/2009, essa é a data do exaurimento do delito. Portanto, a legislação aplicável in casu é a vigente na época da consumação do crime, ou seja, a Lei n. 5.301/69, inclusive com as modificações trazidas pela LC n. 95/07. Tendo o delito se exaurido no dia 28/09/2009, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder no ato demissionário. Com essas considerações, afirmou que tudo ocorreu dentro da normalidade, tendo a Administração observado os princípios constitucionais aplicados à espécie, ressaltando que está na esfera exclusiva da Administração a oportunidade e a conveniência na aplicação das punições disciplinares. Concluiu que o PAD foi instaurado em conformidade com a Lei n. 14.310/2002 e com a LC n. 95/07, não havendo que se falar em ilegalidade, e que o simples fato de o autor adotar conduta incompatível com os valores da Corporação já deu legitimidade ao ato punitivo. Disse que o Poder Judiciário não pode ser o revisor do ato administrativo. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos iniciais e a condenação do autor ao pagamento dos ônus decorrentes da sucumbência (fls. 828/841).

O autor impugnou a contestação, com argumentos semelhantes aos apresentados na inicial, reiterando os seus pedidos (fls. 844/861).

Intimado, o autor não especificou outras provas e o Estado quedou-se silente (fls. 864/864v).

O MM. Juiz a quo intimou as partes para apresentarem memoriais, determinando que estabelecessem a correlação das suas alegações com as cópias xerográficas juntadas aos autos, pontualizando-as, adequadamente, e indicando as folhas, para melhor julgamento do feito (fl. 865). O autor apresentou os memoriais finais de fls. 867/880 e o Estado, de fl. 882.

Por ordem do MM. Juiz primevo, foram acostados aos autos o extrato de Registro Funcional do militar, atualizado para a época da sua demissão, e as informações sobre o processo criminal a que se encontra submetido (fl. 885), o que foi cumprido às fls. 888/891 e 893/894.

O douto Magistrado de 1º grau sentenciou o feito aduzindo que as provas apresentadas nos autos, diversamente do alegado pelo requerente, comprovam que houve o devido processo legal, com o direito à ampla defesa e ao contraditório, ressaltando que as nulidades apontadas na inicial não foram constatadas.

Entendeu que a norma do art. 240-A é perfeitamente aplicável ao caso, não se podendo falar em ilegalidade. Ressaltou que, no presente caso, o militar teve o Termo de Deserção lavrado em 17/05/2004 e publicado em 13/06/2004 (fl. 62); no entanto ele somente se apresentou no Batalhão em 28/09/2009 (fl. 65), após o advento da Lei Complementar n. 95/2007, com vigência a partir de 17/04/2007. Em que pese o requerente ter-se ausentado de sua Unidade em 04/05/2004, o exaurimento do crime de deserção se deu em momento posterior, em 28/09/2009, quando se apresentou voluntariamente. Via de consequência, foi submetido a PAD, com supedâneo no art. 240-A, que se encontrava em vigor desde 17/04/2007. Por tudo isso, concluiu que o delito de deserção, ora analisado, teve início antes do advento da LC n. 95/2007; entretanto o seu exaurimento se deu após a vigência da mencionada norma.
Salientou que a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, com base no art. 90, III, do CEDM, não encontra amparo legal. Para tanto, fundamentou-se no art. 240-A, parágrafo único, da Lei n. 5.301/69, que assim dispõe: o prazo para submissão do militar a processo administrativo-disciplinar é de, no máximo, cinco anos, contado da data em que ele foi capturado ou se apresentar. Afirmou que este prazo foi observado pela Administração Militar, assim como o prazo de 5 (cinco) anos contido no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.

Aduziu que o acréscimo do art. 240-A à LC n. 5.301/69 veio para impor ao Comandante que o crime de deserção é desonroso, sendo atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe; que a decisão do Comandante-Geral foi suficientemente motivada, não havendo que se falar em ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; que o Comandante-Geral possui competência para demitir praça, por meio de ato motivado, nos casos em que se vislumbrar infração à norma administrativa, fundamentando-se no entendimento do STF; e que a alegação de cerceamento de defesa, pelo fato de o autor não ter obtido vista dos autos após a solução do Comandante Regional, não merece guarida.

Quanto aos demais fatos expostos na inicial, disse que o que o autor pretende é rediscutir o mérito (conveniência e oportunidade) das decisões administrativas, o que é vedado ao Poder Judiciário. Ao final, aduziu que os atos administrativos possuem presunção de legalidade e que a ilegalidade apontada pelo autor não foi comprovada, não devendo o procedimento administrativo ser anulado pelo Judiciário.

Julgou improcedentes os pedidos do autor, extinguindo o feito com resolução do mérito, e condenou-o ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% do valor dado à causa. Contudo suspendeu tal condenação por estar o autor litigando sob o pálio da justiça gratuita (fls. 897/904).

O autor apresentou recurso de apelação reiterando os seus dizeres e pedidos (fls. 906/933). Anexou os documentos de fls. 934/943.

As contrarrazões de apelação do Estado, pugnando pela manutenção da sentença de 1º grau, encontram-se às fls. 945/955.

Registro que deixei de abrir “vista” dos autos à douta Procuradoria de Justiça, considerando a ausência das hipóteses de sua intervenção, previstas nos artigos 81 e 82, ambos do CPC, bem como a Recomendação n. 01, de 03/09/2001, do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, publicada no Minas Gerais de 05/09/2001.

É o relatório.

VOTOS

JUIZ CEL PM JAMES FERREIRA SANTOS, RELATOR

Recebo o recurso de apelação, porque estão presentes os seus pressupostos de admissibilidade.

Inicialmente analiso a alegação preliminar do apelante, de ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração Militar, com base no art. 90, III, do CEDM, ao afirmar que, da data da sua apresentação, em 28/09/2009, até a data da sua efetiva demissão, a partir de 24/02/2012 (fl. 36), transcorreram mais de 2 (dois) anos.

Quanto a este argumento, noto que este e. TJMMG, orientando-se pelo contido em sua Súmula n. 01, entendeu pela inconstitucionalidade do art. 90 da Lei Estadual n. 14.310/2002, aplicando, nos termos da Lei Estadual n. 869/52, o prazo prescricional de 04 (quatro) anos para as infrações que causam a exclusão das fileiras da PMMG, quando se tratar da prática de deserção. Para confirmar esse entendimento, transcrevo o enunciado da mencionada súmula:

SÚMULA N. 1

O artigo 90 da Lei Estadual n. 14.310/02 é inconstitucional, devendo-se aplicar os prazos prescricionais de dois anos para as infrações disciplinares que não acarretam exclusão da IME, quatro para a deserção e cinco para as demais infrações que causam exclusão.
Referência legislativa: Lei Estadual n. 869/52
Precedente: Uniformização de Jurisprudência n. 01
Já a Súmula n. 03 desta e. Casa dispõe sobre o termo inicial e final da contagem do prazo prescricional, em se tratando de deserção:

SÚMULA N. 3

O prazo prescricional inicia-se na data da transgressão, salvo nos casos de deserção – em que se inicia na data da instauração do procedimento administrativo –, e termina com a ativação¹ da punição, sem causas de interrupção.

Referência legislativa: Lei Estadual n. 14.310/02 e art. 240-A da Lei Estadual n. 5.301/69
Precedente: Declaração Incidental de Inconstitucionalidade n. 01
¹Aprovada, em Sessão Plenária do dia 05/06/2013, alteração na redação (anteriormente, “efetivação da punição”).

Ante o exposto, entendo que não se consumou a prescrição da pretensão punitiva da Administração Militar, já que não houve o transcurso de mais de 4 (quatro) anos entre a data da instauração do processo administrativo, em 13/10/2009 (fls. 42/43), e a data da ativação da sanção, que ocorreu em fevereiro de 2012, como se nota pelos documentos de fls. 814 e 36.
Passo, assim, por essa alegação preliminar.

Quanto à alegação de incompetência do Comandante-Geral para demitir militar, ao contrário do alegado pelo apelante, entendo ser da competência do Comandante-Geral determinar a exclusão administrativa de militar, ao constatar o cometimento de transgressão disciplinar que implique essa medida. Assim dispôs o STF, em sua Súmula n. 673: “O art. 125, § 4º, da Constituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo”.

A competência deste e. Tribunal de Justiça Militar, determinada pelo art. 125, § 4º, da CR/88, que diz respeito ao processo de perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, resulta do cometimento de crime militar ou comum, fato que não impede a demissão administrativa do militar pela prática de transgressões disciplinares. Saliento que os artigos 39, § 9º, e 111, ambos da Constituição do Estado de Minas Gerais, se harmonizam com os preceitos da Constituição da República acima citados.

Esclarecido o tema, não há que se falar em ilegalidade do ato administrativo demissional. Ultrapasso, desta feita, esse argumento preliminar.

No mérito, o apelante alegou a ocorrência de cerceamento de defesa, afirmando que não teve a oportunidade de recorrer da decisão do Comandante Regional, que homologou a solução do PAD. Compulsando-se o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado (CEDM), nota-se que o Comandante Regional (autoridade convocante do PAD) apenas opina pela demissão de militar, pois a decisão final, que determina a aplicação da sanção disciplinar, compete ao Comandante-Geral da PMMG, a teor do art. 74, VI e § 1º.

Conclui-se, assim, que somente da decisão que aplica a sanção disciplinar é que caberá recurso à autoridade superior, com efeito suspensivo, no prazo de cinco dias úteis, preceito esse contido nos artigos 60 e 61 do CEDM. Sem razão, pois, o apelante, ao pretender recorrer do parecer da autoridade convocante. Se a decisão que aplica a sanção é de competência do Comandante-Geral, somente dela cabe recurso, e essa oportunidade foi concedida ao apelante, que recorreu ao Exmo. Sr. Governador do Estado, como se percebe às fls. 490/801 e 805/812.

Por tudo isso, resta afastada a alegação de cerceamento de defesa.

O apelante aduziu que, pelo cometimento da deserção, foi enquadrado no art. 13, III, c/c o art. 64, II, ambos do CEDM, afirmando que tais normas são tipos abertos e que deixam margem à prática de arbitrariedades pela administração. Quanto a esse argumento, nota-se, pelos preceitos contidos nos artigos 13, III, e 64, II, que a Administração Pública se vê diretamente atingida pelo ato do militar faltoso, considerando violada não somente a honra e o decoro pessoal do autor, mas também a classe à qual ele pertence. Portanto, percebe-se que não há indefinição nesses dois tipos, porque enquanto o art. 13, III, prevê a punição objetiva para tal ato, o art. 64, II, dita a maneira de submeter o autor ao PAD, para os fins de Direito, estando a imputação balizada de forma a proporcionar limites à acusação e ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Por tudo isso, não vejo atipicidade dos fatos, nem cerceamento de defesa quanto à tipificação dos atos praticados pelo apelante em ambos os artigos em estudo.

O militar exaltou a sua ficha funcional, afirmando que deveriam ter sido consideradas, in casu, os preceitos contidos nos artigos 16 (julgamento da transgressão) e 20 (circunstâncias atenuantes) do CEDM. Alegou, ainda, ofensa ao art. 42 do CEDM, afirmando que o ato que efetivou a sua demissão não foi motivado.

Quanto a esses argumentos, percebo que o próprio apelante desconsiderou sua ficha funcional, ao se ausentar do serviço militar por mais de 5 (cinco) anos, pois deixou de comparecer ao serviço em 04/05/2004, retornando, apenas, em 28/09/2009. Diante desse abandono, restou mais do que configurada a prática da deserção, pelo que não há como aplicar as atenuantes pleiteadas. Não vejo, desta feita, ofensa aos artigos 16 e 20 do CEDM e, muito menos, aos princípios constitucionais do devido processo legal, da legalidade e da razoabilidade, já que a punição do militar se deu de maneira proporcional à transgressão por ele cometida.

Acerca da motivação do ato administrativo, nota-se, ao contrário do alegado pelo militar, que a decisão que concluiu pela sua demissão, exarada pelo Comandante-Geral da PMMG, foi devidamente motivada, tendo sido analisadas tanto as alegações preliminares, quanto as alegações de mérito do apelante. Tudo isso se observa com a simples leitura da decisão de fls. 475/486, que contém a síntese do ocorrido no PAD e a conclusão da CPAD, do CEDMU e da autoridade convocante.

Por fim, o apelante alegou ofensa aos princípios da anterioridade e da legalidade, ao dizer que os artigos 240-A e 240-B, ambos da Lei 5.301/69, não podem ser aplicados no caso em análise. Explicitou que tais artigos, além de lhe serem mais prejudiciais, entraram em vigor após o ocorrido, não podendo retroagir à data dos fatos.

Sobre o tema, entendo que o princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa não pode deixar de ser observado nos casos de deserção, já que se sobrepõe à Lei Complementar n. 95/07, que entrou em vigor em 18/04/2007, norma infraconstitucional estadual que instituiu a deserção como transgressão disciplinar de ofensa à honra pessoal e ao decoro da classe, em decorrência desse crime.

No presente caso, não me parece haver dúvidas sobre o cometimento do delito de deserção, previsto no art. 187 do CPM, tendo em vista que no dia 13/05/2004 o apelante foi considerado desertor e, após o transcurso de 05 (cinco) anos, em 28/09/2009, ele se apresentou no CAA-8 (Centro de Apoio Administrativo-8) da PMMG, em Governador Valadares/MG. Ao final do PAD, já na vigência da LC n. 95/07, o militar foi demitido.

Contudo, conforme já afirmei em outros julgamentos e em casos semelhantes, entendo importante salientar que, antes da entrada em vigor da LC n. 95/07, apenas o CPM, em seu art. 187, trazia o preceito secundário para a deserção, qual seja, a pena de detenção de 6 (seis) meses a 02 (dois) anos, agravada em se tratando de Oficial. E, somente com o advento da mencionada lei complementar, o legislador possibilitou que o ato de deserção fosse também considerado ofensa à honra pessoal e ao decoro da classe, prevendo a possibilidade de demissão do militar desertor, de modo expresso, na seara administrativa, ao acrescentar os artigos 240-A e 240-B à Lei n. 5.301/1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais (EMEMG).

Conclui-se, assim, que somente a partir da vigência da LC n. 95/07, com as mencionadas alterações que esta lei acresceu ao EMEMG, tornou-se possível considerar o ato de deserção como sendo também atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe. Vejamos:

Art. 240-A. O desertor comete ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe.

Parágrafo único. O prazo para submissão do militar a processo administrativo-disciplinar é de, no máximo, cinco anos, contado da data em que ele foi capturado ou se apresentar.

Art. 240-B. Nos casos em que couber a exoneração, o militar será submetido a processo administrativo próprio, sendo-lhe asseguradas as garantias constitucionais.

Considerar que a conduta praticada pelo apelante amoldou-se ao art. 64, II, do CEDM, porque a deserção passou a ser considerada, por força de lei, ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe, com a submissão do militar desertor a processo administrativo próprio, não me parece atitude consentânea com os incisos XXXIX e XL do art. 5º da CR/88, que instituem o princípio da irretroatividade da lei, ainda que asseguradas as garantias do devido processo legal, como ocorreu no caso em debate. Veja-se:

XXXIX - Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal.

XL - A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Embora os mencionados incisos constitucionais destinem-se, em princípio, à área penal, a doutrina ensina que de ambos extrai-se o princípio da irretroatividade da lei também na área cível. Vejamos:

No campo do direito processual, vale reafirmar a prevalência do princípio da irretroatividade da lei. O princípio tempus regit actum faz com que os atos processuais realizados sob o império da lei anterior sejam mantidos, tendo as novas normas processuais aplicabilidade imediata no que concerne ao restante do processo. (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A Irretroatividade da lei no Direito Brasileiro. Disponível no sitehttp://www.escola.agu.gov.br/revista/Anoll
Janeiro2001/0501IrretroatividadeOthon.pdf).

Torna-se relevante saber, in casu, se as normas previstas nos artigos 240-A e 240-B c/c o art. 64, II, do CEDM têm aplicabilidade retroativa à deserção de militar, que, quando foi cometida, nem era considerada falta disciplinar contra a honra pessoal e o decoro da classe, sendo tratada apenas como crime e possuindo, somente, consequências penais. Data venia dos entendimentos em contrário, penso que não cabe tal aplicabilidade, tendo em vista que o princípio constitucional da irretroatividade das leis mais gravosas assim não o permite. Neste ponto, dou razão ao apelante.

Acrescente-se que a questão do crime continuado ou permanente é regra infraconstitucional e que a garantia da irretroatividade da lei mais gravosa é norma constitucional, que deve, a meu ver, prevalecer quanto à deserção ocorrida antes da LC n. 95/07, o que retrata a questão posta nos autos.

Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para, em obediência ao princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, declarar nulo o Processo Administrativo Disciplinar, de Portaria n. 10430/2009-8ª RPM, bem como o ato de demissão do apelante das fileiras da PMMG, reformando, assim, a r. sentença primeva. Determino a reintegração do apelante às fileiras da Polícia Militar de Minas Gerais, fazendo jus a todos os vencimentos e demais vantagens que deixou de receber, devidamente corrigidos, desde a data da sua exclusão. Condeno o Estado ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 20, § 3º, “a”, “b” e “c” c/c § 4º, do CPC.

É como voto.

JUIZ FERNANDO ARMANDO RIBEIRO, REVISOR

VENCIDO

Conheço do recurso, presentes os requisitos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

Trata-se de recurso de apelação aviado pelo ex-militar José Adilson Alves, contra a r. sentença monocrática que julgou improcedente o pedido de anulação do ato administrativo que ensejou a sua exclusão das fileiras da PMMG.

Extrai-se dos autos que o militar, 3º Sgt PM José Adilson Alves, não compareceu ao serviço no período compreendido entre os dias 04/05/2004 e 28/09/2009, sendo que, nesta última data, o militar se apresentou voluntariamente.

Após a apresentação do autor, a Administração Militar, com fulcro no art. 13, inciso III, c/c o art. 64, inciso II, da Lei n. 14.310/02, instaurou Processo Administrativo-Disciplinar, Portaria n. 10430/2009 - 8ª RPM, por entender que tal conduta atentou contra a honra pessoal e o decoro da classe, e, ao final, o excluiu das fileiras da PMMG.

O apelante pugna pela reforma da r. sentença de 1º grau e pela anulação do ato administrativo sancionatório utilizando-se, em síntese, dos seguintes fundamentos: ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos moldes estabelecidos pelo art. 90, inciso III, do CEDM, uma vez que, da data de sua apresentação até a sua efetiva demissão, em 24/02/2012, já havia transcorrido lapso temporal superior a 2 (dois) anos; irretroatividade do art. 240-A da Lei Complementar n. 95/2007; ofensa ao princípio da legalidade, em face da ausência de tipificação da transgressão disciplinar de deserção na Lei n. 14.310/2002; incompetência do Comandante-Geral da PMMG para excluir militar das fileiras da PMMG, em face do estabelecido no art. 125, § 4º, c/c os artigos 42, § 1º, e 142, § 3º, VI, da Constituição Federal; cerceamento de defesa, em face de não lhe ter sido assegurado o direito de interpor recurso contra a decisão do Comandante da 8ª RPM que opinou pela sua demissão; ofensa ao princípio da razoabilidade; ausência de motivação da decisão proferida pelo Comandante-Geral da PMMG.

Pois bem. O detido exame dos elementos de prova constantes dos autos leva-nos à conclusão de que a impugnação não deve ser acolhida.

Alega o apelante que ocorreu a prescrição punitiva do Estado, nos moldes estabelecidos pelo art. 90, inciso III, do CEDM. Todavia, tal entendimento não deve prosperar, pois é manifestamente contrário ao entendimento jurisprudencial sumulado desta e. Corte, estampado nos enunciados de suas Súmulas ns. 1 e 3, abaixo transcritos:

SÚMULA N. 1

O artigo 90 da Lei Estadual n. 14.310/02 é inconstitucional, devendo-se aplicar os prazos prescricionais de dois anos para as infrações disciplinares que não acarretam exclusão da IME, quatro para a deserção e cinco para as demais infrações que causam exclusão.
Referência legislativa: Lei Estadual n. 869/52
Precedente: Uniformização de Jurisprudência n. 01

SÚMULA N. 3

O prazo prescricional inicia-se na data da transgressão, salvo nos casos de deserção – em que se inicia na data da instauração do procedimento administrativo –, e termina com a efetivação da punição, sem causas de interrupção.

Referência legislativa: Lei Estadual n. 14.310/02 e art. 240-A da Lei Estadual n. 5.301/69
Precedente: Declaração Incidental de Inconstitucionalidade n. 01
Na hipótese dos autos, o apelante se apresentou no dia 28/09/2009, e a sua demissão, efetivamente, ocorreu no dia 24/02/2012, conforme se verifica no documento à fl. 36.

Desta feita, verifica-se, entre a data de sua apresentação, 28/09/2009, e a data da efetivação da demissão, em 24/02/2012, após a solução do processo administrativo pelo Governador do Estado de Minas Gerais, que não transcorreu o lapso temporal de 4 (quatro) anos, motivo pelo qual não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva da Administração.

Melhor sorte não assiste ao apelante em relação à alegação de irretroatividade do art. 240-A da Lei Complementar n. 95/2007.

Quando do julgamento da Apelação Cível n. 551, a extinta Câmara Cível firmou posicionamento quanto à impossibilidade da submissão de militares desertores a processo administrativo-disciplinar antes do advento da Lei Complementar n. 95/2007.

Todavia, naquele processo, Apelação Cível n. 551, o militar faltou ao trabalho do dia 31/10/2004 ao dia 21/02/2006, sendo considerado desertor a partir de 11/11/2004. Desta forma, verifica-se que a deserção, bem como a apresentação do militar, ocorrereu antes do advento da Lei Complementar n. 95/2007. Por esse motivo, em face da ausência de previsão legal, o processo administrativo-disciplinar e o ato administrativo que determinou a exclusão do militar das fileiras da PMMG foram anulados.

Entretanto, o caso que ora nos ocupa cuida de situação diversa, pois o apelante foi considerado desertor no dia 13/05/2004 (Termo de deserção – fl. 62) e, após transcurso de lapso temporal de 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, no dia 28/09/2009, se apresentou, ou seja, a sua prisão/captura ocorreu após o advento da Lei Complementar n. 95/2007.
Frise-se que, até o ano de 2007, a única sanção prevista aos militares desertores era a pena de detenção, prevista no art. 187 do Código Penal Militar. Entretanto, naquele ano, o legislador quis agravar a penalidade a ser aplicada ao delito em questão, expandindo-a para a esfera administrativa, e assim o fez expressamente com a edição da Lei Complementar n. 95, de 2007, que acrescentou os artigos 240-A e 240-B ao Estatuto do Pessoal da Polícia Militar.

Desta forma, quando da apresentação do militar, a Lei Complementar n. 95/2007, que instituiu a possibilidade de sujeitar o desertor a processo administrativo-disciplinar, já estava vigendo, motivo pelo qual não há que se falar na inaplicabilidade da referida lei, tendo em vista que o crime de deserção é considerado um crime permanente, conforme já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, no seguinte julgado:

RHC. MILITAR. DESERÇÃO. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA. RECURSO DE DEFESA. DESNECESSIDADE. A prescrição da ação penal começa a correr, nos crimes militares permanentes, do dia em que cessou a permanência.

(RHC 8.138/MS. STJ. 5ª Turma. Rel. Min. Edson Vidigal, publicado no DJ 01/03/199, p.351).

Por oportuno, colaciono a precisa lição de Rogério Greco, que define o crime permanente:

Diz-se permanente o crime quando a sua execução se prolonga, se perpetua no tempo. Existe uma ficção de que o agente, a cada instante, enquanto durar a permanência, está praticando atos de execução. Na verdade, a execução e a consumação do delito, como regra, acabam se confundindo, a exemplo do que ocorre com o crime de seqüestro, previsto no art. 148 do Código Penal.

(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. vol. 1, 6. ed. Niterói: Impetus, 2006. p. 117)

Assim, contrariamente à alegação do apelante – de que a transgressão disciplinar se consumou no dia 13/05/2004 e que não pode haver entendimento de que a transgressão, pelo cometimento de deserção seja permanente –, entendo que a transgressão disciplinar praticada pelo militar não findou naquela data. Ela se perpetuou no tempo, paralelamente ao delito de deserção, sendo, deste modo, aplicável a regra insculpida no enunciado da Súmula n. 711 do Supremo Tribunal Federal: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

Na linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, portanto, sobrevindo legislação, ainda que maléfica, quando em curso a prática criminosa, tal legislação há de ser aplicada, já que a “cada instante, enquanto durar a permanência, está (o criminoso) praticando atos de execução”, nos dizeres de Rogério Greco, já mencionados.

Conforme já me manifestei em outros processos que tinham como objeto esta mesma matéria, a meu sentir, a data da decretação da deserção possui duas finalidades precípuas, quais sejam, configurar o delito de deserção, bem como estabelecer um marco para que a Administração adote, na esfera administrativa, as medidas cabíveis contra o militar desertor, tais como determinar a suspensão do pagamento dos vencimentos (art. 41, inciso VI, da Lei n. 5.301/69); suspender a contagem de tempo (art. 163, inciso III, c/c o art. 187, II, ambos da Lei n. 5.301/69); vedar o acesso a promoção (art. 203, inciso II); e, após o advento da Lei Complementar n. 95/07, instaurar processo administrativo-disciplinar, após a sua captura ou apresentação.

Dessa forma, o fato de a configuração da deserção somente se dar a partir de um marco temporal preestabelecido em lei não significa que ela se esgote naquele momento, uma vez que sua consumação, inclusive na esfera administrativa, perdura no tempo, enquanto o militar permanecer na condição de desertor.

Diante dessas considerações, entendo que, enquanto o militar ostentar a condição de desertor, estará, concomitantemente, praticando transgressão disciplinar. Desta forma, neste caso concreto, no qual a prática da transgressão disciplinar somente findou após o advento da Lei Complementar n. 95/07, a submissão do apelante e sua consequente exclusão das fileiras da PMMG encontram amparo legal.

Pelos mesmos fundamentos acima, aplicabilidade da LC n. 95/2007, afasto a alegação do apelante de ter havido ofensa ao princípio da legalidade, em face da ausência de tipificação da transgressão disciplinar de deserção na Lei n. 14.310/2002, pois o artigo 240-A da Lei n. 5.301/69, acrescido pela LC n. 95/2007, expressamente dispõe que o desertor comete ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe.

Da mesma forma, não assiste razão ao apelante quanto à alegação de que houve violação do art. 125, § 4º, da CF/88, pois não há embasamento para sustentá-la.

É pacífico o entendimento jurisprudencial de que a exclusão de militares da Corporação pode-se dar pela via de decisão judicial ou pela via administrativa, desde que obedecidos as garantias e os princípios atinentes à matéria.

A PMMG é competente para proceder à demissão administrativa no caso de transgressões disciplinares, diante da imperiosa necessidade de zelar pela ordem e disciplina no interior das Corporações. A possibilidade de a PMMG proceder à exclusão de militar deriva do poder de auto-organização e autotutela da Administração Pública, que, para seu funcionamento, tem o poder-dever de aplicar penalidades a seus agentes, de forma a reprimir comportamentos indesejáveis, e a Administração assim o faz por meio de processo administrativo, assegurando ao militar o direito de defesa e do contraditório.

Desta feita, o art. 125, § 4º, da Constituição Federal refere-se à competência do Tribunal de Justiça castrense para decretar a perda de graduação do militar em processo judicial, o que não impede a ocorrência de sanção disciplinar administrativa que pode culminar com a exclusão do militar das fileiras da Corporação. Trata-se de esferas distintas que demandam tratamentos independentes, tal como sobejamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência.

Nesse sentido, foi editada a Súmula n. 673 do STF, que assim dispõe: “O artigo 125, § 4º da Constituição, não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo”.

Não há que se falar, igualmente, em cerceamento de defesa, sob a alegação de que não foi assegurado ao ora apelante o direito de interpor recurso contra a decisão do Comandante da 8ª RPM que opinou pela sua demissão, tendo em vista que o oficial em questão não solucionou o PAD, mas, tão somente, opinou pela exclusão do militar e remeteu os autos para o Comandante-Geral, para este solucionar o processo, conforme estabelece o inciso VI e o § 1º do art. 74 do CEDM.

Art. 74 – Encerrados os trabalhos, o presidente remeterá os autos do processo ao CEDMU, que emitirá o seu parecer, no prazo de dez dias úteis, e encaminhará os autos do processo à autoridade convocante, que proferirá, nos limites de sua competência e no prazo de dez dias úteis, decisão fundamentada, que será publicada em boletim, concordando ou não com os pareceres da CPAD e do CEDMU:

[...]

VI – opinando pela demissão.

§ 1° – Os autos que concluírem pela demissão ou reforma disciplinar compulsória de militar da ativa serão encaminhados ao Comandante-Geral para decisão.

Assim, conforme acima mencionado, o referido oficial não pôs termo ao processo, apenas opinou pela demissão do autor, remetendo os autos ao Comandante-Geral da PMMG, autoridade competente para analisar e decidir sobre a permanência ou não do militar na Corporação, não sendo cabível, desta forma, qualquer recurso contra o parecer em questão.

O apelante defende a nulidade do PAD, ainda, sob o argumento de que não foram considerados os seus antecedentes e a atenuante, por se encontrar, à época da deserção, no conceito “A”, bem como os depoimentos das testemunhas que lhe foram favoráveis, o que ofende o princípio da razoabilidade.

Como as demais alegações, essa também deve ser refutada. Analisando a decisão do Comandante-Geral da PMMG, bem como a do Exmo. Governador do Estado, que negou provimento ao recurso administrativo aviado pelo apelante, os antecedentes, o conceito funcional, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas, foi considerado, conforme se verifica às fls. 484 e 811, respectivamente, quando da solução do PAD pelas autoridades citadas.

Por oportuno, transcrevo o trecho da decisão proferida pelo Governador do Estado:

[...]

1.21.3 há nos autos depoimentos que corroboram com a alegação da defesa de que o recorrente interpôs junto a Administração Pública Militar pedido de licença de dois anos sem vencimento. Contudo, além da defesa não ter feito prova de que o pedido do militar foi deferido pelo Comandante-Geral, o oficial inquirido às folhas 147/149 foi incisivo em afirmar que “o acusado sabia dos riscos que corria, haja vista que viajou com o documento referente ao pedido de licença de dois anos sem vencimento ainda em tramitação”.

Assim sendo, ficou patente que o recorrente viajou para os Estados Unidos sem que o seu pedido de licença fosse deferido, ou seja, sem estar devidamente autorizado, não se enquadrando em nenhuma das causas de justificação prevista no art. 19, do CEDM.

O que se verificou é que o recorrente colocou em primeiro lugar o seu problema pessoal em detrimento do interesse coletivo e institucional, ao ausentar-se de suas atividades por mais de 05 (cinco) anos, praticando, com isto, ato ofensivo a honra e ao decoro da classe, estando incurso no inciso III, do art. 13, c/c o inciso II, do art. 64, do CEDM;

1.21.4 o recorrente quando optou em adotar a conduta descrita na portaria do processo abdicou sua vida pregressa, mormente os registros positivos constantes no seu ERF e os elogios que lhe foram feitos pelas testemunhas ouvidas no processo, pois, demonstrou ser completamente destituído dos princípios e valores que regem a carreira militar, o que contra-indica a sua permanência na Instituição;

[...]

No que tange a ofensa ao princípio da razoabilidade, entendo que esta não ocorreu na hipótese desses autos, tendo em vista que não considero desarrazoada a demissão de agente público que abandona o cargo por mais de 5 (cinco) anos.

Por fim, resta refutar a alegação de ausência de motivação do ato de exclusão, pois a punição foi aplicada por ato devidamente fundamentado do Comandante-Geral da PMMG (fls. 475/486), que, após criteriosa análise do processo administrativo, resolveu demitir o apelante das fileiras da Instituição Militar.

Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso, mantendo integralmente a r. sentença monocrática.

É como voto.

JUIZ JADIR SILVA
Acompanho o voto do eminente juiz relator.

Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, aos 29 de maio de 2014.

Juiz Cel PM James Ferreira Santos
Presidente da Segunda Câmara e Relator

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

3 comentários:

Anônimo disse...

Minha preocupação é que ao conferir o nome do apelante na intranet, percebi que o mesmo até nesta data (05/08) não havia sido reincorporado. Será que o Estado recorreu? Será que os três(s)

Unknown disse...

O FERA DE ACORDO COM AMIGOS ESSE P ESTA TRABALHANDO E JÁ FOI ATE PROMOVIDO...
POREM SEGUNDO INFORMAÇÕES CORRE UM PEC NO CABO JULIO QUE ESTA A ANOS NO PAPEL E NÃO SAI DISSO NÃO.. O QUE ME CHATEIA E QUE ESSE JULIO TAMBÉM FOI DEMITIDO MAS JÁ ERA DEPUTADO ENTÃO NÃO FEZ MUITA DIFERENÇA, NÃO DA NOTICIA E PENSO EU QUE NÃO VAI SAIR DO PAPEL NÃO.. HE POR ISO QUE ESTOU INDO EMBORA PARA U.S.A NOVAMENTE HE QUE RECOMENDO A TODOS. POIS NÃO VOU SAIR DO QUE HE CERTO, NÃO VOU SAIR PARA O LADO RUIM POIS TENHO CONHECIMENTO QUE ALGUNS JÁ ESTÃO LÁ FAZENDO COISA QUE NA MINHA ÉPOCA COMBATIA. ENTÃO SE VCS E PRINCIPALMENTE AO CB JULIO ESTIVERAM LUTANDO NESSA RAZÃO A FAVOR DOS DESERTORES,, FAÇAM RÁPIDO ANTES QUE ACABEM PARA MUITOS

AGUIAR disse...

K SO UMA PESSOA EM BUSCA DE RESPOSTAS